No início dos
anos 90, as organizações passaram a incorporar a visão de processos nos
negócios na busca pela qualidade, produtividade e eficiência gerencial. As
idéias de Hammer de reengenharia e todo o movimento internacional de
normalização ISO e pela qualidade total, influenciaram e continuam
influenciando fortemente os padrões da indústria. Alguns anos mais tarde, a
própria tecnologia de informação passou a incorporar o conceito de processos de
negócio nos chamados sistemas de gestão empresarial através dos ERPs – Enterprise Resource Planning. Ao implementar
os sistemas ERP, muitas organizações foram convidadas a refletir sobre o fluxo
atividades que entrega valor ao cliente – a chamada cadeia de valor. Funções
empresariais como suprimentos, logística, vendas, produção, engenharia, até
então entendidas como atividades isoladas em silos do negócio, foram
repensadas em fluxos lógicos e integrados, a exemplo do processo Compras até
Pagamento, Vendas até Recebimento e Do Contato ao Contrato com
Clientes.
No final dos anos
90, a Symnetics visitou diversas organizações industriais brasileiras que
haviam incorporado o conceito de qualidade, processos e sistemas de gestão.
Primeiro perguntávamos qual teria sido o Retorno sobre o Investimento realizado
em consultorias, softwares e certificações. Muitas empresas de fato
economizaram custos operacionais e sem dúvida elevaram os padrões de qualidade
de seus produtos e processos. A segunda pergunta era sobre competitividade: se
tais investimentos haviam produzido diferenciação sustentável para os negócios,
ou seja, por trás dos projetos de reengenharia e dos investimentos em ISO 9000
havia alguma estratégia ou esforço gerencial deliberado de busca de
competitividade e diferenciação empresarial? Muitos executivos nos falavam
sobre um certo elo perdido, de um sentimento de algo que não haviam
capturado neste período. Afinal, qual a situação competitiva destas
empresas após tantos anos de investimento na qualidade, processos e sistemas de
gestão?
Todos nós sabemos
que em 15 anos – 1990-2004 – o mundo mudou, as tecnologias invadiram nosso
dia-a-dia, o ciclo de vida de produtos encurtou e a velocidade dos
acontecimentos triplicou. Em realidade, neste período de transição, as
organizações despertaram para a necessidade de estratégia como questão de
sobrevivência. Estratégia nunca foi tão importante, foi o título de uma
pesquisa da Fortune Magazine realizada recentemente por consultorias
internacionais. As empresas e os empresários acordaram para uma questão básica
e fundamental da gestão que é o de empregar e administrar consciente e
deliberadamente recursos financeiros e humanos limitados em situações e
contextos de negócio ilimitados: quando não se tem uma direção, qualquer
caminho serve, já dizia Lewis Caroll. Desta forma, os executivos destas
empresas se perguntaram, ainda que inconscientemente: para que mesmo investimos
milhões no sistema de gestão X, na norma ISO Y, na reengenharia do processo Z?
Supondo, por
exemplo, que uma empresa de produtos em um mercado competitivo fez a opção
estratégica, após uma série de reflexões e análises, de se transformar em uma
empresa de serviços. Os executivos e empresários destes negócios definiram em
determinado momento:
- um prazo para realização desta
visão – ex.: 10 anos;
- objetivos – ex.: ser
reconhecida pelo mercado pela excelência em serviços ao cliente;
- indicadores – ex.: pesquisa de
imagem junto aos clientes;
- metas – ex.: número 1 em market
share de serviços;
- intervenções estratégicas –
reorientar os processos para serviços, com forte ênfase no processo de
relacionamento com os clientes.
Ao desenhar a
curva de Geração de Valor ao Negócio deste cliente, não será difícil
reconhecer que, durante 4 ou 5 anos esta empresa realizou uma Intervenção
Estratégica, haverá um boom de criatividade e inovação em seus
processos, um período de caos necessário e que talvez esteja seja um período de
intensa lucratividade. Este período pode coincidir também com a entrada de
novos players realizando o mesmo tipo de movimento – sobretudo se esta
for uma idéia original e inovadora no mercado. Assim como no ciclo de produtos,
em que o produto é lançado, faz sucesso, novos entrantes imitam o sucesso do
concorrente, o mesmo podemos afirmar do ciclo de vida dos processos: os
processos são continuamente comparados e absorvidos pelas organizações através
de práticas como o benchmarking.
Assim, por 4 ou 5 anos esta organização industrial de
produtos teve uma intervenção estratégica, reorientou seus negócios e processos
e obteve ganhos substanciais – 10, 20 ou
talvez 30% ou mais nas receitas/margens e 5, 10 ou 15% a menos nos custos. Após
este período, lembrando que muitos concorrentes já participam da arena
competitiva, seja pela aquisição, desenvolvimento ou cópia da tecnologia
assimilada pela nossa empresa, faz-se necessário estabilizar e normatizar os
processos. Por que este movimento? O número de clientes já é considerável, a
escala de produção nos exige alguma padronização, necessitamos capturar
sinergias nos negócios e melhorar nossa eficiência. Entramos na chamada fase de
Gerenciamento da Rotina ou de melhoria contínua dos processos, onde os ganhos
são incrementais – 1-2% ao ano de incremento nas margens, 1-2% de otimização
dos custos. Cabe destacar que a melhoria contínua é o lema do movimento da
qualidade total e da reengenharia através do chamado ciclo PDCA – Plan Do
Control Act – onde as melhorias são incorporadas gradualmente ano após ano em
processos estáveis, normatizados e eficientes.
Por vários anos,
enquanto passamos de uma organização de produtos para uma organização de
serviços, devemos conviver simultaneamente com a Gestão Estratégica, que
tem como objetivo realizar ganhos substanciais através dos projetos
estratégicos e uma Gestão Operacional – ou da rotina – dos processos,
que tem como objetivo produzir melhorias graduais e contínuas. Algumas empresas
chamam este processo de gestão da multiplicidade – estratégica e operacional.
O fato é que,
antes mesmo de iniciar a fase de estabilização e normatização dos processos –
após 4 ou 5 anos de intervenção estratégica – possivelmente nossa empresa tenha
que se reorientar estrategicamente (...) Isto porque, por diversas razões,
abriu-se uma janela de oportunidade e decidimos comprar nosso concorrente, o
número 1 em fabricação de produtos e agora somos uma empresa de soluções
completas: produtos + serviços. E o que fazer com nossos processos? E a
melhoria contínua? A fase de estabilização e normatização, nestes caso, pode
ser mínima – talvez 1 ou 2 anos – quando será necessária uma nova intervenção
estratégica.
Nossa tese é de
quanto maior for a orientação estratégica de uma organização na busca pela
competitividade, maior a intensidade de projetos – intervenções estratégicas
– e menor a intensidade dos processos.
Para exemplificar
esta tese, utilizaremos a curva de valor apresentada por Kaplan e Norton no seu
livro 'Mapas Estratégicos' para um mercado competitivo...
1° Movimento –
Excelência Operacional: caracterizado pela padronização do fluxo físico e
financeiro dos produtos e serviços, da obsessão pela qualidade total, da
reengenharia, da terceirização de funções não essenciais do negócio, da
automação das transações através dos sistemas de gestão ERP – Enterprise
Resource Planning. O resultado deste movimento é qualidade, menor custo total e
eficiência global do negócio. Processos típicos e alvos deste movimento são os
processos industriais de produção, o processo de suprimentos, a logística e os
processos administrativos/ financeiros. Uma característica deste movimento é o
de longa maturação, normatização e estabilização dos processos. As intervenções
estratégicas que ocorreram anteriormente à etapa de estabilização da excelência
operacional ocorreram e ainda ocorrem, na maioria das empresas, pela orientação
estratégica de busca pela eficiência, qualidade e menor custo total dos
negócios.
2° Movimento –
Orientação ao Cliente: caracterizado por uma sensibilidade maior das
organizações à voz do cliente, num esforço de compreender as
necessidades e requerimentos dos clientes e propor produtos, serviços, soluções
ou experiências que atendam ou superem as expectativas dos mesmos. Processos
típicos e alvos deste movimento são os processos comerciais, de marketing,
relacionamento, desenvolvimento de produtos, serviços e assistência técnica,
pós-venda, logística, atendimento ao cliente, entre outros. Uma característica
deste movimento é o de uma maturação inferior dos processos, comparado à
excelência operacional, uma vez que a segmentação e alvo estratégico dos
clientes mudam com o tempo, demandando sempre intervenções estratégicas novas e
originais, por sua vez movidos pelo Foco do Cliente – meu sucesso é o
sucesso mensurado pelos indicadores de desempenho do cliente.
3° Movimento –
Inovação: neste movimento, a organização antecipa-se a seus clientes,
desenvolvendo e lançando produtos e serviços inéditos – inovadores – do ponto
de vista tecnológico e funcional. São organizações que, mais do que ouvirem
seus clientes, criam as necessidades e antecipam tendências. Logo após as
primeiras intervenções estratégicas, empresas posicionadas neste movimento
capturam um valor substancial, até que surjam produtos e serviços similares ou
substitutos no mercado, até que estas mesmas empresas são levadas a
reinventarem seu portfolio de produtos. Por sua vez, a sobrevida de
normatização dos processos neste caso é menor e ocorre, sobretudo, nos
processos de engenharia, marketing e pesquisa e desenvolvimento, uma vez que os
ciclos de novos produtos e serviços vão provocando rupturas quase que
automáticas nos processos de negócios.
4° Movimento –
Sustentabilidade: ainda que poucas empresas conheçam e comprovem os benefícios
deste movimento, muito se tem investido na chamada sustentabilidade, a busca
por resultados sociais e ambientais, além do econômico – o chamado Triple
Bottom Line – envolvendo todas as partes interessadas do negócio – acionistas,
comunidade, clientes, fornecedores, empregados, governo. Os processos de
negócio influenciados por este movimento são: segurança, saúde, meio ambiente,
regulatório, social e todo o processo de governança e gestão do risco
empresarial. O ciclo de intervenções estratégicas e melhoria contínua dos
processos deste movimento é ainda incerto.
Os ganhos
substanciais acontecem durante a intervenção estratégica, sendo que após a
estabilização dos processos em rotinas, os ganhos passam de substanciais a
incrementais.
Curiosamente, os
4 Movimentos poderão ocorrer simultaneamente nas empresas, sobretudo naquelas
organizações que passaram muitos anos sem uma consciência ou diretriz
estratégica e torna-se necessário, por uma questão de sobrevivência, queimar
etapas no curto e médio prazo.
Além disso, a
gestão estratégica – quando se buscam ganhos substanciais pela diferenciação –
convive simultaneamente por vários períodos com a gestão operacional de
processos – quando se obtém melhoria incremental e contínua – a chamada gestão
da multiplicidade.
Nos perguntamos
também o que ocorre em situações de mercado pouco competitivas ou de mercado
artificialmente construídos, típicas do monopólio e do oligopólio. Trata-se de
situações condicionadas e, de certa forma, favorecem a ausência de estratégia
devido:
- a preços dos produtos e
serviços regulados;
- a condições de fornecimento –
matéria-prima – privilegiadas;
- ao controle de importação ou
fabricação de produtos similares ou substitutos;
- a distribuição controlada pelo
fornecedor;
- a outras distorções de mercado.
Neste caso,
tomamos como exemplo a Excelência Operacional. Este movimento competitivo em
empresas monopolistas/oligopolistas pode ser sustentável no longo prazo, uma
vez que os demais movimentos da concorrência – orientação/gestão do cliente,
inovação de produtos e serviços ou sustentabilidade – são inibidos pelas
condicionantes de mercado. Porter, em seu artigo O que é estratégia,
chega a destacar que Excelência Operacional não é estratégia, já que
estratégia é diferenciação em situações competitivas, o que nos leva ao limite
de afirmar que empresas monopolistas e oligopolistas poderiam abrir mão de uma
estratégia para sobreviver. Qual seria, portanto, a motivação dos empresários e
executivos a realizarem e implementaram planos estratégicos nesta condição?
Um método
comprovado para gerenciar a curva de valor – o PDCA da estratégia:
Há 12 anos era
criado pelos Professores Kaplan e Norton o Balanced Scorecard (BSC), método e
instrumento de gestão estratégica, atualmente difundido em diversas
organizações internacionais líderes. Atualmente, pode-se afirmar que o BSC
inovou no desenvolvimento de um processo de gerenciamento da estratégia – o
chamado PDCA da estratégia ou aprendizado estratégico.
A aplicação da
metodologia BSC, segundo pesquisas recentes, demonstram a consolidação de
Organizações Orientadas – ou focadas – pela Estratégia a partir de 5 princípios
fundamentais...
- mobilizar a liderança:
participação ativa e visível da equipe executiva. Orientar uma organização
da estratégia deve ser encarado como um processo de mudança cultural.
Inicialmente, os líderes devem mobilizar a organização a fim de criar o
momento adequado para iniciar o processo. O emprego da persistência e do
senso comum deve motivar as pessoas em torno da estratégia.
- traduzir a Estratégia:
descrever a estratégia, alcançar a clareza da estratégia através de mapas
estratégicos, indicadores, metas e projetos para que todas as pessoas
possam compreendê-la e possuir um processo de implementação e gestão da
estratégia.
- alinhar a Organização e os
Processos à Estratégia: o desdobramento da estratégia para a organização –
unidades de negócio e de suporte – o alinhamento dos processos à
estratégia através dos fatores críticos de sucesso e até mesmo para além
fronteiras da organização joint ventures, fornecedores e parceiros,
- motivar e fazer da Estratégia
em Tarefa de Todos: educar, conscientizar e reforçar comportamentos
das pessoas na direção da estratégia.
- fazer da Estratégia um
Processo Contínuo: a gestão estratégica depende da capacidade da
organização de revisar e ajustar continuamente suas hipóteses e projetos
estratégicos. Avaliar o avanço na implementação da estratégia e incorporar
estratégias emergentes e mudanças ambientais é fundamental neste processo.
O sistema deve enfatizar o diálogo e a responsabilidade compartilhada da
equipe executiva.
Competitividade e estratégia empresarial:
ser o melhor por fazer diferente
A busca pela
competitividade, facilitado pela gestão estratégica, vai além da busca pela
qualidade, eficiência e produtividade. Pressupõe a consciência estratégia de
empresários, executivos e políticos de querer ser o melhor por fazer
diferente. Isto vale para o setor privado lucrativo, para o setor público e
para as organizações do terceiro setor. Mover-se na direção de ações
estratégias na busca de diferenciação sustentável é um esforço deliberado e
exige coragem e empenho das lideranças.
Fonte
FGV online
COUTINHO, André
Ribeiro. A busca de Competitividade Empresarial através da Gestão
Estratégica. Disponível em:
.
Acesso em: 13 fev. 2008.